GOIABADA CASCÃO
Margaret Pelicano
Um esfrega, esfrega sem fim, a roupa a 'quarar', depois enxagüar, bater, torcer, passar por várias águas até tirar o último resquício de sabão. A seguir, passar anil, pendurar no varal com pregadores para não cair na terra do terreiro. Se chovia, era um berreiro: - recolham a roupa! Recolham a roupa!
Ao ferro de passar a carvão, substituiu o ferro elétrico. Este, não parava de exalar calor, dar artrite nos mais velhos, queimar dedos ou pulsos quando o cabo virava. A roupa limpinha exalava o cheiro da limpeza. O sabão de cinza fabricado em bolas, de maneira artesanal, clareava tudo. Cabelos de mulher bem brilhantes? Sabão de cinza! Cabelos macios? Bezuntar com banha de porco, depois lavar com sabão de cinza e por último sabonete cheiroso. Quem podia comprava um flaconete de xampu. Creme rinse? Muito tempo depois...
Esta a vida do interir por volta de 1960, 70...!
Só rádio na sala. TV, geladeira nem pensar, carne de porco armazenada na banha para não estragar. Doces em compotas para durar até o inverno ou até a última safra de frutas: pêssegos, figo, marmeladas, goibadas, laranja em casca... Nada se perdia, tudo se aproveitava! Casca de laranja comum, secando em varais sobre o fogão à lenha. Serviam para o chá que combatia a azia e também para acender o fogo quando a lenha estava molhada e fria. Louça? Lavada na bacia: uma com sabão para ensaboar, outra com água limpar para enxagüar.
Sobre o telhado, uma caixa d'água para o banho e pias, com muita economia. No quintal uma caixa d'água para o tanque, para as limpezas do lar, para molhar o quintal antes de varrer. Lavar a caixa um prazer. Entrar dentro dela...hum!!! Piscina de pobre, delícia!
Na limpeza do assoalho, cera derretida com gasolina; escovão - provocador de calos nas mãos das mocinhas; flanela, óleo de peroba nos móveis. Algum tempo depois uma enceradeira! Um luxo!
Telefone? Tirar do gancho, esperar a telefonista atender, dizer o número, aguardar a ligação.
Os tempos mudaram e muito: tecnologia! Difícil para os mais velhos! Tão necessária aos jovens que fazem do celular um brinco eterno. A vida ficou mais fácil e menos consciente. Se antes repartía-se o alimento, hoje, joga-se fora por falta de tempo, por que o outro tem que batalhar pela vida e ganhar o próprio sustento. Caridade? Que palavra é esta? Existe?
Ficou-nos o medo, a insegurança, a crueldade, a violência. Onde o homem do passado, religioso e calmo, amigo e companheiro! Saudades dos tempos de outrora: muito trabalho, uma canseira, mas um sono gostoso e saudável, esperança que não acabava mais, fé nos homens, cordialidade, bons dias, boas tardes, honestidade...
A noite chegava, dividia-se a televisão da vizinha, outros nas calçadas sentados aproveitando a fresca da noite, alguns ajoelhados rezando o terço...Ave Maria, Ave Maria...
Brasília - 03/12/2008
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